Viva devagar. No momento presente. Papo de quem pode. Quem é pobre tem sempre a sensação de que está atrasado pra algo.
Minha mãe vivia na pressa. Ou era isso ou não comíamos. Eram mais de 20 panelas de pé de moleque, cada uma dando 30 unidades. Depois havia o processo de embalar, etiquetar e, o pior de todos, sair pelas ruas de uma Niterói de 40° vendendo. Mas primeiro era preciso aprontar a criança: banho, roupa, cabelo esticado, merenda; eu pegava minha mochila, via seu suor e tentava acompanhar a avidez dos seus passos até a minha escola. Eu sabia o trabalho do resto do seu dia, por isso me dedicava ao meu. Eu era uma aluna aplicada, tirava sempre 10 (exceto em exatas, rs) e procurava não dar trabalho.
Depois de uma mudança brusca de cidade — saímos de Niterói pra uma cidade tão pequena que eu tinha dificuldades em localizá-la no mapa —, também tive uma mudança brusca de escola. Com a ajuda financeira de minha avó, passei a estudar com crianças muito esquisitas: falavam de seus parentes na Suíça, passavam férias na França, seus sobrenomes eram complicados. Eu estava começando a entender a pressa, eu estava começando a me sentir para trás.
Passei muito tempo me perguntando se algum dia eu conseguiria chegar ao mesmo tempo-espaço de vida que aquelas pessoas viviam, tão despreocupadas. Minha mãe sofria com a mesma inquietude: dizia que eu precisava estudar, e precisaria estudar muito, pra que a realidade dela não se estendesse a mim. A repetição é um assombro.
A pressa é uma coisa ingrata, passei anos não a entendendo. Se aquelas crianças começaram de um ponto de partida muito a frente, eu as alcançaria apenas se as atrasassem. E eu não pensava em atrasar ninguém — também não tinha esse poder. E então eu me desesperei e corri. Perdi preciosos anos da minha vida correndo atrás de uma linha de chegada que não foi projetada para mim, assim como minha mãe. Depois de uns anos, com meu diploma nas mãos, minha mãe me avisou que a linha de chegada que ela tanto buscava era essa, eu tinha finalmente alcançado.
Tinha chegado a hora da minha mãe desacelerar.
O diploma não apaziguou minha ansiedade, muito pelo contrário: agora eu estava por conta própria. Minha mãe havia me ajudado a plantar uma semente que eu precisava aprender a cultivar. Foram momentos de terror (mesmo) até chegar aos dias de hoje, em que posso me sentar no meu escritório e escrever tranquilamente antes de um atendimento e outro. Mas isso só foi possível porque eu percebi que algo estava muito errado na forma como eu estava vivendo.
Foi aí que cheguei ao livro de Emma Gannon, A Year of Nothing ("Um ano de nada", em tradução literal), onde ela relata sua experiência de 12 meses fazendo… nada!, obviamente após um burnout, como geralmente acontece. Nesse livro ela relata a sua busca pela saúde mental e pelo equilíbrio de uma vida mais lenta, apostando na escrita de um diário, observação de pássaros e natação.
Depois disso, entrei em um vórtex onde encontrei milhares de livros que falam sobre o slow living em conjunto com meditações, práticas de yoga e até mesmo o budismo! Descobri esse universo de lentidão consciente que me disse basicamente que eu posso dar significação à minha vida caminhando como posso, priorizando a qualidade em vez da quantidade, privilegiando o momento presente em vez da ansiedade do futuro e a angústia do passado. Percebi que eu havia vivido 31 anos forçando minha mente e meu corpo a alcançar coisas que eu nem queria. Aliás, toda a questão do próprio querer se transformou. O que eu realmente quero?, se tornou uma indagação importante, feita todos os dias, tema de minhas análises e escritas.
“O Ser só se realiza na ação”
Dentro desse admirável mundo novo em que entrei, encontrei o karma yoga, um princípio hindu que nos ensina que a auto realização não virá dos frutos da ação, mas da própria ação. Quando fazemos o que amamos com devoção e amor, nos realizamos no momento presente.
Quando entendi isso, passei a meditar sempre antes dos atendimento, me preparando pra realizar meu trabalho da melhor forma possível para aquele que está diante de mim, confiando nos meus conhecimentos, técnicas e tato.
Foi uma grata surpresa me deparar com esse vídeo da Jéssica Petit, uma filósofa que admiro muito:
“Quanto mais agimos, mais multiplicamos os nossos talentos e dessa forma, mais realizadores nos tornamos. Uma pessoa realizada não é aquela que subiu inúmeras vezes ao pódio, mas, aquela que diariamente vence seus próprios pensamentos destrutivos e se coloca em movimento por amor à ação.”
— Jéssica Petit
Confesso que se eu houvesse descoberto toda a filosofia do slow living há alguns anos atrás, teria morrido de ódio e dito que é coisa de burguês safado. Mas precisei correr muito tempo carregando no peito traumas transgeracionais de uma vida marcada pela pressa e pelo desespero. Eu mereço descansar. E acredito que você também.
“A vida só faz sentido quando vivida com o coração. Encontrar o que traz brilho aos olhos faz-se uma tarefa necessária para a alma sedenta por vida que aqui vos escreve. Após um intenso e necessário tempo de mergulho em mim, acho que hoje consigo pontuar, mesmo que internamente, as minhas verdades. Viver uma vida com sentido, valorizar os momentos cotidianos, intensificar a conexão comigo mesma, apreciar a beleza sutil que me rodeia, buscar formas cada vez mais sustentáveis de ser e de viver e nunca desistir da incessante busca pelo equilíbrio.” — Mônica Benini
O artista Lucas Lopes traz um respiro pra mente:
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Com carinho,
Manoela ♡
Gostei muito do seu texto, já tinha ouvido falar do slow living e acho uma proposta importantíssima nesses tempos em que vivemos com tanta gente enfrentando problemas de saúde mental, bornout, etc. Essa correria é fatalmente fruto do capitalismo. Infelizmente, outro fruto do capitalismo é a impossibilidade de algumas pessoas em parar. E não por falta de conhecimento ou iniciativa, mas por precisarem correr para terem o mínimo. Sabemos que existem barreiras sociais intransponíveis e estruturantes da nossa sociedade. O trabalhador que passa quatro horas na condução só para quando dorme, a mãe solo da periferia com dois turnos (ou três), o jovem impedido de terminar o ensino médio por ter que trabalhar e ajudar em casa etc. Lamentavelmente é a realidade brasileira, está mudando, mas ainda é um fato. Desculpe o textão, só queria contribuir com um contraponto, mas não invalida de jeito nenhum o slow living que deve ser incentivado em reflexões como a sua para mais e mais pessoas cada uma dentro da sua possibilidade.
"Eu mereço descansar. E acredito que você também." – ultimamente, tenho visto muitas partilhas sobre parar para descansar.... Tenho sentido muita vontade de pausar a dissertação, retomando-a no próximo ano, mas ao mesmo tempo é algo que quero fazer. Em parte por querer, por outro lado para me desenvencilhar o quanto antes desta meta de vida. É um curso que adoro, é um dos mestrados que mais queria fazer. Mas sei lá. Há algo que me tem vindo a cansar e não faço ideia se se trata de algo mais interno ou se a minha rotina precisa de ser alterada. Acredito que algumas meditações ajudem, assim como a prática do journalling.
Que linda partilha, Manoela! ❣️